
Usina é apontada como a origem da poluição que atingiu santuário de animais e matou 235 mil peixes. Empresa diz que acusações são injustas, recorreu e ainda não pagou multa de R$ 18 milhões aplicada pela Cetesb. Mortandade de peixes chega ao Tanquã, em Piracicaba
Edijan Del Santo/EPTV
O Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público, informou que está concluindo uma ação civil pública para cobrar reparações pelo desastre ambiental que atingiu um santuário de animais e matou 235 mil peixes, no Rio Piracicaba, em julho de 2024.
A Usina São José S/A Açúcar e Álcool, de Rio das Pedras (SP), é apontada como a responsável pelo poluente que causou o dano ambiental, mas nega que tenha sido comprovada sua responsabilidade. Ela foi multada em R$ 18 milhões pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), mas recorreu e ainda não pagou o valor (leia mais abaixo).
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A atualização sobre as investigações do órgão foi divulgada pelo promotor Ivan Carneiro Castanheiro, durante uma audiência pública na Câmara Municipal de Piracicaba que discutiu medidas de proteção do Rio Piracicaba.
“Eu estou com uma ação civil pública praticamente pronta, com conclusões aí para breve. Eu prefiro não falar que vai ser esse mês ou mês que vem, para não criar uma expectativa, eu não quero me precipitar nisso. Mas buscando o repovoamento, buscando a reparação dos danos, buscando ter tratativas com os pescadores, para sua reparação, danos morais pelos prejuízos ao lazer”, afirmou o promotor.
Imagens aéreas mostram milhares de peixes mortos no Tanquã após despejo irregular de usina
‘Situação de extrema vulnerabilidade’
Alexandra Faccioli Martins, que também é promotora do Gaema, alertou que o rio se encontra em uma situação de “extrema vulnerabilidade”.
“É importante deixar deixar muito claro que nós estamos numa situação de extrema vulnerabilidade da nossa segurança hídrica. Não temos, de forma alguma, conforto em relação às vazões que nós temos no Rio Piracicaba, ao volume de água ali existente, nem em relação a sua qualidade”.
Ela afirmou que há problemas de planejamento e ações de resposta diante de ocorrências. E questionou os níveis utilizados atualmente em um sistema de alerta para danos ambientais.
“O nosso sistema de alerta já está implantado. Questionamos os limites ali adotados porque para a preservação de ecossistema aquático é exigido pela nossa legislação, no mínimo, 5 miligramas [de oxigênio] por litro. O sistema de alerta do PCJ [bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Piracicaba] está pautado em 2 [miligramas por litro]. Ou seja, esse acionamento da rede só começa em dois, o que nos parece que é uma margem que inviabiliza ações mais rápidas”.
Tanquã é considerado um santuário de animais
Edijan Del Santo/ EPTV
Multa de R$ 18 milhões ainda não foi paga
Segundo informação da Cetesb, a usina recorreu contra a multa de R$ 18 milhões aplicada pela agência ambiental pelos danos causados no rio. O recurso ainda está sob análise e o valor não foi pago.
O órgão explicou que a empresa tem garantidas as seguintes possibilidades de defesa:
Recurso administrativo de primeira instância;
Recurso administrativo hierárquico;
Recurso no âmbito judicial.
“A Cetesb cobra administrativamente as multas após 30 dias da ocorrência do trânsito em julgado administrativo [quando não é mais possível recorrer]. Se o débito não for quitado, é inscrito no Cadin [Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal], protestado e inscrito na dívida ativa. […] Na dívida ativa, acontece a ação judicial onde pode ocorrer até a penhora de bens”, detalhou a Cetesb.
Imagem em relatório da Cetesb aponta de onde saiu poluente e caminho dele até ribeirão
Reprodução/ Cetesb
Usina fala em acusações ‘indevidas e injustas’
Em nota, a Usina São José reiterou que “as acusações de responsabilidade sobre o incidente de mortandade de peixes ocorrida no dia 08/07/2024 são indevidas e injustas”.
A empresa apontou que a mortandade de peixes é um problema crônico na bacia do Rio Piracicaba, e que é decorrente da “má qualidade histórica e documentada das águas na região, agravada por diversas fontes de poluição locais até hoje existentes e completamente ignoradas”.
“O processo de investigação, ao contrário do que a boa técnica exige, não foi conduzido a partir da análise dos fatos, mas sim com uma busca precipitada por um suposto culpado, o que resultou na aplicação de uma multa desproporcional contra a USJ, a partir de uma legislação inaplicável ao caso concreto. A empresa contestou veementemente essa penalidade e apontou inconsistências jurídicas e técnicas na autuação”, acrescentou.
A USJ sustentou que todos os documentos e provas que apresentou até o momento não foram devidamente analisados pelas autoridades.
“A empresa defende o respeito ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente garantido, e reitera que todas as acusações devem ser provadas antes de qualquer julgamento definitivo. A USJ seguirá com sua defesa nos canais administrativos e confia que a verdade prevalecerá, respeitando o devido processo e as garantias legais. E, ciente de suas responsabilidades, reafirma seu compromisso com o meio ambiente e com as boas práticas de gestão ambiental”, concluiu.
Mortandade na APA do Tanquã é a maior registrada, segundo pescadores
Jefferson Souza/ EPTV
Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba
g1
Raio x do desastre
253 mil peixes mortos: A estimativa é da Cetesb. Em peso, a agência fiscalizadora estima que são, pelo menos, 50 toneladas de peixes.
Nível zero de oxigênio: Análises da Cetesb constataram nível zero de oxigênio dissolvido na água (OD) ou próximo de zero, o que torna impossível a sobrevivência de animais aquáticos.
Forte odor, espuma e água escura: Entre as características na água estão um forte odor característico de materiais industriais orgânicos, coloração escura da água e presença de espuma.
70 quilômetros de extensão: De acordo com relatório da Cetesb, a mortandade de peixes se estendeu por um trecho de 70 quilômetros, desde a foz do Ribeirão Tijuco Preto até a Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Piracicaba-Tanquã.
10 dias de duração: A Cetesb detalha que os efeitos da carga poluidora no Rio Piracicaba foram percebidos por cerca de dez dias.
APA atingida equivale a 14 mil campos de futebol: A área de proteção do Tanquã, onde foi registrado o maior número de peixes mortos, ocupa uma área de 14 mil hectares, equivalente a 14 mil campos de futebol, nas cidades de Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro, no interior de São Paulo.
Santuário tem ao menos 735 espécies: Segundo o professor de ecologia da Esalq/USP Flávio Bertin Gandara, a APA do Tanquã é um santuário de animais porque eles encontram nela alimento e abrigo para se reproduzir. Também há mais de 300 espécies de plantas.
50 pescadores afetados: Entre Piracicaba e São Pedro, a colônia de pescadores tem cadastrados pouco mais de 50 pescadores que dependem do rio para viver, segundo representante do grupo.
R$ 18 milhões em multa: Além de ser considerada a poluição das águas e a mortandade dos peixes, no cálculo da multa, segundo a Cetesb, também foi considerado que empresa deixou de comunicar a ocorrência e que houve danos em uma área de proteção ambiental.
9 anos para recuperação: Segundo o analista ambiental Antonio Fernando Bruni Lucas, serão necessários até nove anos para a recuperação da quantidade de peixes no Rio Piracicaba.
Pescadores relatam reflexos de mortandade de peixes na APA Tanquã, em São Pedro
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