
Situação ocorre em meio a crise financeira da rede metodista, que levou ao leilão de bens como parte do campus Taquaral, em Piracicaba, na segunda-feira (5), por R$ 20 milhões. Área que abrigava o campus da Unimep vai a leilão
Grandes Leilões
Ex-funcionários da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) aguardam há anos o pagamento de direitos trabalhistas. A situação ocorre em meio a uma crise financeira da Rede Metodista de Educação, que levou ao leilão de bens como parte do campus Taquaral, em Piracicaba (SP), comprado por R$ 20 milhões por uma rede de supermercados nesta segunda-feira (5).
A decisão pela venda do campus, que ocorre para pagamento de dívidas, foi tomada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), no processo de recuperação judicial da rede metodista.
O grupo mantenedor da Unimep pediu mediação judicial para acerto de débitos, após fechamento de 30 cursos em Piracicaba e Santa Bárbara d’Oeste, com reflexo para cerca de 500 estudantes, devido a dificuldades financeiras.
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Entre os trabalhadores que ainda esperam receber está a analista de recrutamento Michele Melo, que enfrenta a situação há seis anos. Ela trabalhou na área de Recursos Humanos na Unimep por 12 anos.
“Depois de um tempo, houve uma sequência de atrasos de salário, questões relacionadas a plano médico, e aí foi virando uma bola de neve. Em 2019, eu cheguei no meu limite emocional e financeiro, porque a gente trabalhava e não tinha esse retorno. E eu pedi o desligamento, fiz o meu pedido de rescisão indireta e estou com processo ainda com a Unimep. Mas antes disso foi um período extremamente rico. Eu tive a oportunidade de crescer na Unimep”, relata Michele.
A ex-funcionária revela que ainda tem cerca de 70% do valor devido a receber.
“É um valor devido, é um valor legal, não é um valor que foi pedido além do que eles contrataram. Então, eu espero com certeza [receber]. E desejo, do fundo do meu coração, sempre foi um desejo que a universidade retomasse as atividades”, completa.
ARQUIVO: parte do campus da Unimep em Piracicaba vai a leilão; rede de supermercados faz lance
Professor relata acordo descumprido
O professor Lorival Fante Júnior, que já ocupou cargos na diretoria da universidade, também está em situação parecida.
Ele tentou realizar um acordo com a Unimep em 2018 para receber seus direitos trabalhistas, mas diz que as parcelas não foram pagas e teve de acionar a Justiça. Além disso, também é credor em processos coletivos contra a instituição.
“Apesar de estar na RJ [recuperação judicial], estou trabalhando, eu sou professor de outra instituição, mas a gente tem relatos de professores e funcionários em situações extremas de dificuldade financeira, com doença, e sem nenhuma motivação ou intenção de resgate da igreja ou própria mantenedora [da universidade] para resolver a situação”, afirma.
Ele afirma que o problema atinge profissionais que se dedicaram à construção da instituição. “Com certeza, a gente pode dizer que quem construiu realmente foram professores, professoras, funcionários, a partir das suas políticas institucionais. E aí o crescimento de toda a instituição em prédios, em imóveis que nós estamos vendo hoje sendo leiloados”.
Lorival afirma que o plano de recuperação judicial referente ao pagamento dos ex-funcionários não vem sendo cumprido.
“De acordo com o plano, eles tinham uma previsão de pagamento de R$ 10 mil, se não me engano, até o final de 2023, e o ano passado eles tinham que cumprir até um determinado dado o pagamento do FGTS. Eles demoraram para pagar esses R$ 10 mil, pagaram parcelado, não pagaram integralmente a correção como se devia. E nós temos relato que uns que não receberam nada do FGTS, alguns receberam parte do FGTS, mas não foi cumprido essa etapa. E fora isso, tem todos os outros valores ainda que eles têm que pagar”, acrescenta.
Mapa mostra, em branco, a área do campus que será leiloada
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‘Cada vez que passava na frente eu chorava’
Presidente do Sindicato dos Professores de Campinas e Região (Sinpro), Conceição Fornasari soma 43 anos como professora da Unimep. E também tem FGTS, salários e férias a receber. Ela trabalhou nos campus da Unimep em Piracicaba e Santa Bárbara d’Oeste e considera “muito triste” a situação atual da instituição.
“Mesmo o campus Santa Bárbara tendo sido leiloado para uma outra instituição de ensino, cada vez que eu passava na frente do campus eu chorava. Demorou muitos meses para eu parar de ter esse sentimento. Agora o [campus] Taquaral, gente, é o símbolo maior. Foi lá que eu comecei a dar aula. E quando a gente iniciou, no início dos anos de 1980, tinha um bloco, e quando essa tragédia da RJ [recuperação judicial] iniciou-se em abril de 2021, era uma imensidão. Nós tínhamos a ala da educação física, nós tínhamos a ala da psicologia, nós chegamos a ter 15 mil alunos”, relembra.
Ela considera o cenário atual como o “fim de um projeto”.
“[Fim] de um projeto político-pedagógico, de um projeto institucional e até o projeto de vida, porque nós abandonamos outras instituições para nos dedicarmos de corpo, alma e ciência à universidade. Então, realmente, ver esse símbolo material, digamos assim, ser vendido, ser destruído, se transformar num mercado, é muito difícil, mas é mais difícil ainda saber tudo que nós construímos, a duras penas, ter sido levado ao vento”, lamenta.
Ela também afirma que tem ocorrido descumprimentos do plano de recuperação judicial. “Nós [sindicatos] aprovamos o plano após muitas discussões. Então, era um plano que nós realmente entendíamos possível naquele momento e que iria dar conta de pagar os credores e de soerguimento das instituições”, afirma.
Ela afirma que falta diálogo e que contesta a venda de parte do campus Taquaral.
“Faz um ano que a metodista se nega a sentar para conversar conosco e nem o juiz, nem o administrador judicial fazem qualquer movimento nessa direção. […] A igreja poderia, com o leilão de ontem, já antecipar o pagamento dos credores. Ela optou para pagar a questão financeira”. Segundo o edital de leilão do campus Taquaral, a prioridade é destinar os R$ 20 milhões oferecidos pela rede de supermercados compradora para pagar dívidas com um banco.
Piscina em área da Unimep que vai a leilão
Grandes Leilões
Imóveis já leiloados
Outros imóveis do grupo metodista também já foram leiloados para pagamento de dívidas. Em maio de 2024, foi leiloada por R$ 4,1 milhões a Fazendinha da Unimep.
A empresa autora do lance vencedor no leilão foi a Solidez Empreendimentos Imobiliários, localizada no distrito Unileste, também em Piracicaba.
A Fazendinha é um espaço de 35,2 mil metros quadrados – sendo 1,8 mil metros quadrados de área construída – que fica no campus Taquaral e era utilizado para eventos e hospedagem de acadêmicos que visitavam a instituição.
Fazendinha da Unimep era utilizada para eventos e hospedar acadêmicos
Unimep
Em dezembro de 2022, o campus da Unimep localizado em Santa Bárbara d’Oeste (SP) foi vendido por R$ 50 milhões por uma fundação educacional. O imóvel tem 205,6 mil metros quadrados.
O fechamento do campus de Santa Bárbara foi anunciado em fevereiro de 2021, e os alunos foram transferidos para concluir os cursos em outras universidades.
Campus da Unimep em Santa Bárbara d’Oeste
Divulgação/ Grandes Leilões
Além dos campus Taquaral e Santa Bárbara e da Fazendinha, outros imóveis foram relacionados no Plano de Recuperação Judicial para pagamento de dívidas da instituição com credores que vão de ex-funcionários a bancos e também inclui tributos municipais e federais. Veja a lista de bens relacionados no documento:
Lotes na Rodovia do Açúcar, em Piracicaba
Imóvel na Rua do Rosário, em Piracicaba
Imóvel na Rua Campos Salles, em Piracicaba
Escritório Jurídico na Rua João Pedro de Toledo Martins, em Santa Bárbara
Casa de Hospedagem na Rua Alferes José Caetano, em Piracicaba
Escola De Música de Piracicaba, na Rua Santa Cruz, em Piracicaba
Um relatório produzido em dezembro de 2023 pelo escritório responsável pela recuperação judicial do grupo apontou uma dívida trabalhista de R$ 477,1 milhões com 10,3 mil credores, além de débitos tributários, com fornecedores, empresários e financiamentos, entre outros.
A rede metodista está presente em cinco estados e emprega mais de 3 mil funcionários.
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Escola de Música de Piracicaba
O prédio da Escola de Música de Piracicaba Maestro Ernst Mahle (Empem) é pertencente ao Instituto Educacional Piracicaba (IEP) e também foi listado no plano de recuperação judicial da rede metodista.
A possibilidade de venda gerou protestos de ex-alunos, músicos e outros grupos, que realizaram um concerto como manifestação e um abaixo-assinado. Assista ao vídeo abaixo:
Concerto reune 30 músicos em ato contra venda de prédio da Empem, em Piracicaba
O que diz o Grupo Metodista
Em defesa do processo de recuperação judicial, o Grupo Metodista afirmou em nota, que está seguro de que essa medida é o caminho para reestruturar as instituições de ensino do grupo, “que exerce atividade econômica organizada há 140 anos no Brasil, promovendo forte impacto socioeconômico por meio da educação”.
“É importante destacar ainda que a recuperação judicial assegura proteção judicial aos credores e garante a continuidade das atividades educacionais, preservando, assim, a comunidade acadêmica, atualmente composta por 20.000 alunos e cerca de 3.000 funcionários”, acrescentou.
Imagem de arquivo do campus Taquaral, em Piracicaba
Fernanda Zanetti
O que diz a Delta Max
Em nota, a rede Delta Supermercados confirmou a compra de parte do imóvel onde ficava o campus Taquaral, em Piracicaba, e destacou que “essa aquisição foi realizada com profundo respeito pela história do espaço e por todos que fizeram parte da trajetória da Unimep”.
O projeto prevê a construção de uma nova unidade do Delta Supermercados, de grande porte, segundo a rede. Além disso, a empresa estuda a instalação do seu Centro Logístico e Administrativo na área.
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