Um camarote alugado pela Huawei no estádio do Anderlecht, tradicional clube de futebol de Bruxelas, virou peça-chave na investigação de corrupção envolvendo eurodeputados e a companhia chinesa. Segundo o site Politico, que obteve acesso a documentos e fontes próximas ao caso, agentes de inteligência da Bélgica instalaram escutas no espaço reservado pela empresa para monitorar encontros com políticos europeus.
A Huawei investiu cerca de € 50 mil (R$ 324 mil) para ter acesso ao camarote na temporada 2024/25, em jogos contra times como Fenerbahçe, da Turquia, Porto, de Portugal, e Real Sociedad, da Espanha. De acordo com os investigadores, o objetivo era usar o ambiente esportivo para estreitar relações com parlamentares europeus, alguns dos quais estão sob suspeita desde 2021, quando o Ministério Público belga iniciou apurações sobre subornos, presentes e viagens bancadas por interesses estrangeiros.
Os registros das escutas revelam que um lobista da Huawei usava o camarote como porta de entrada: primeiro convidava assistentes parlamentares e, depois, os próprios eurodeputados. Um dos relatos ouvidos pela investigação afirma que a estratégia era “engraxar” os políticos europeus. A prática é parte de um padrão investigado pela Procuradoria da Bélgica, que chegou a realizar buscas em mais de 20 endereços em março deste ano, incluindo locais em Portugal.

O Anderlecht afirmou que não pretende renovar o contrato com a Huawei e negou ter sido acionado oficialmente para colaborar com a investigação. “Não recebemos nenhum pedido formal das autoridades belgas”, disse um porta-voz do clube. A Huawei e o Ministério Público da Bélgica não responderam aos pedidos de comentário.
Entre os eurodeputados citados estão o maltês Daniel Attard e o búlgaro Nikola Minchev, que confirmaram ter comparecido aos jogos. “Eu não sabia que o convite tinha origem em uma empresa ou que envolvia um camarote corporativo”, declarou Attard. Minchev disse que o ingresso foi oferecido por “um amigo e vizinho”.
A Transparência Internacional criticou o episódio e cobrou mudanças nas regras do Parlamento Europeu. “Em que pese o regulamento permissivo do Parlamento, simplesmente não há justificativa legítima para que deputados recebam presentes de lobistas”, afirmou Nick Aïossa, diretor da entidade na União Europeia (UE).
Ameaça à segurança
As acusações contra a Huawei fortalecem a desconfiança em torno da empresa, cuja presença é rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido são algumas das nações que baniram a fabricante por medo de que a China possa usá-la para espionagem e para realizar outras ações em benefício de Beijing.
A desconfiança é baseada na suposta proximidade das companhias do setor com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar as gigantes da telefonia a trabalhar a serviço do PCC.
Um caso em particular se enquadra nesse cenário. Em janeiro de 2017, a União Africana (UA) descobriu que servidores de sua sede, na capital etíope Adis Abeba, enviavam diariamente, durante a madrugada, dados sigilosos a um servidor na China e que o prédio estava repleto de microfones escondidos. Os servidores foram trocados, mas um problema semelhante se repetiu em 2020, quando os novos foram invadidos por hackers chineses que roubaram vídeos de vigilância das áreas interna e externa.
Não por coincidência, o prédio havia sido construído com financiamento chinês, por uma construtora chinesa. E os servidores originais, aqueles de 2017, eram chineses. Esse episódio, com o qual Beijing nega ter relação, explica a desconfiança generalizada com a infraestrutura digital proveniente da China.
A Huawei no Brasil
No Brasil, o aumento da presença da Huawei na rede de telefonia vai na contramão da tendência global. São da empresa chinesa mais de 80% das antenas que retransmitem sinal das atuais redes 2G, 3G e 4G brasileiras. E, de acordo com conteúdo patrocinado publicado em veículos como O Globo em maio de 2021, a companhia dizia à época ser responsável por mais de cem mil quilômetros de fibra óptica no país.
A alternativa encontrada pelo governo brasileiro para reduzir o impacto de eventuais brechas de segurança foi a criação de uma rede 5G governamental exclusiva, sem a presença de infraestrutura chinesa.
“Hoje, a Huawei não está apta a participar da rede privativa, segundo o que foi colocado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e pela nossa portaria”, disse o ex-ministro das Comunicações Fábio Faria, no início de novembro de 2021, quando foi realizado o leilão das bandas de 5G.
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