Nova população de rã ameaçada é descoberta em riacho de pousada em SP


Encontrada em Monte Alegre do Sul, espécie Hylodes sazimai ganha fôlego com novo registro, mas segue ameaçada pela fragmentação da Mata Atlântica. Nova população de rã-da-corredeira da espécie Hylodes sazimai é encontrada em Monte Alegre do Sul, SP
Luís Felipe Toledo
O som inconfundível vindo de um riacho atrás de uma pousada em Monte Alegre do Sul, no interior paulista, levou à descoberta da quinta população conhecida de rã-de-corredeira da espécie Hylodes sazimai, uma rã ameaçada de extinção e endêmica da Mata Atlântica.
A confirmação, feita por análise genética, representa um alento para a conservação da espécie, mas não é suficiente para tirá-la da lista vermelha: seu habitat continua sob ameaça constante por desmatamento, poluição e expansão urbana.
A localização da nova população teve seu primeiro resquício em 2016, durante uma visita à Pousada da Fazenda feita por um dos autores do artigo Carlos Henrique L. Nunes-de-Almeida, quando teve a impressão de ouvir um indivíduo macho vocalizando no riacho que cruza a propriedade. Contudo, na época, não foi possível confirmar a ocorrência, por ser uma espécie de difícil localização.
A procura ganhou fôlego quando João Pedro Bovolon Thomaz, mestre em ecologia e também um dos autores do artigo, começou a trabalhar com a espécie, que era conhecida somente no Pico das Cabras, em Campinas, e de algumas populações no sul de Minas.
“Alguns anos depois, como o foco do meu doutorado é estudar espécies ameaçadas utilizando métodos inovadores, tivemos a oportunidade de nos debruçar com mais atenção nesta área e, após algumas visitas, conseguimos capturar um único indivíduo, que nos permitiu, através de análises genéticas, garantir que esta era realmente uma população de H. sazimai”, explica João Pedro Bovolon Thomaz.
A maioria dos locais onde a espécie está presente possue algum tipo de ameaça à sua existência
Tomaz Nascimento de Melo/iNaturalist
A suspeita se confirmou: a rã estava mesmo lá. A partir da captura do exemplar, o grupo realizou uma série de análises, incluindo o som do animal e sua morfologia, mas foi o estudo genético que trouxe a confirmação definitiva.
“Fizemos depois uma análise molecular, analisamos o som gravado e a morfologia do bicho coletado para identificar a espécie mesmo como sendo H. sazimai. Aí foi confirmada essa nova população”, ressalta Luís Felipe Toledo, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e também autor do artigo.
Essa rã é endêmica da Mata Atlântica e sua distribuição está restrita aos estados de São Paulo e Minas Gerais, mais especificamente desde a região central de São Paulo até o Sul de Minas Gerais. A espécie está categorizada como “Vulnerável” (VU) pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza, na sigla em inglês).
A maioria dos locais onde a espécie ocorre possui algum tipo de ameaça à sua existência, que vem avançando sobre os fragmentos de mata ao longo dos últimos 20 anos.
A espécie está categorizada como “Vulnerável” (VU) pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN
Luís Felipe Toledo
Entre as principais ameaças estão a mineração, a agricultura, a pecuária, o plantio de árvores para extração de madeira e o avanço de áreas urbanas. Essas atividades, além de destruírem a vegetação nativa, também poluem o solo e a água dos riachos, afetando diretamente estes anfíbios.
A descoberta da nova população em Monte Alegre do Sul representa um avanço significativo para a conservação da Hylodes sazimai. Até então conhecida em apenas quatro localidades, a espécie estava altamente vulnerável a eventos pontuais e impactos regionais, como o incêndio criminoso que atingiu o Pico das Cabras em setembro de 2024, um dos seus habitats.
Ao identificar uma nova área de ocorrência, os pesquisadores ampliam a resiliência da espécie frente às mudanças ambientais, já que diferentes localidades oferecem condições ecológicas distintas que podem favorecer sua sobrevivência.
O achado contribui para a diversidade genética conhecida da espécie, fator essencial caso seja necessário, no futuro, recorrer a programas de manejo ou reprodução em cativeiro.
“Mesmo com a nova área que nós descobrimos sendo, até o momento, a mais preservada de todas, as demais localidades ainda apresentam muitas ameaças preocupantes, desta forma o quadro geral para a espécie permanece preocupantes. Dessa forma, o quadro geral para a espécie permanece alarmante”, diz João Pedro Bovolon Thomaz.
Segundo ele, para que esta situação melhore, é fundamental encontrar novas áreas de ocorrência bem preservadas e intensificar nossos esforços de conservação nas áreas já conhecidas.
“A gente consegue fazer um mapa que indica para gente onde tem outros locais com condições muito parecidas onde o bicho já existe, então por exemplo, eu pego os pontos de onde a espécie ocorre atualmente e vejo outros pontos onde ela poderia ocorrer, onde tem condições ambientais climáticas de relevo muito parecidas com aquelas da onde a espécie já é encontrada, então isso pode ajudar a gente a fazer novas expedições, encontrar mais populações dessa espécie”, diz Luís Felipe Toledo.
Proteção da espécie
O caso da Hylodes sazimai é um emblema dos desafios enfrentados por muitos anfíbios da Mata Atlântica, bioma que concentra a maior parte das espécies ameaçadas desse grupo no Brasil. Com altos níveis de endemismo e habitats cada vez mais fragmentados pela urbanização, agricultura e pecuária, esses animais sofrem com a perda de espaço e qualidade ambiental.
A essa pressão se soma ainda o impacto de uma antiga pandemia causada por um fungo, o Batrachochytrium dendrobatidis, que pode ter dizimado populações inteiras nas últimas décadas. O resultado é um cenário de múltiplas ameaças atuando simultaneamente — e o sazimai é apenas um entre muitos exemplos de espécies que resistem em meio a esse colapso ecológico “silencioso”.
“O sazimai é só uma das dezenas de espécies ameaçadas na Mata Atlântica. Os anfíbios são os mais ameaçados do planeta, é o grupo de animal mais ameaçado do planeta e inclusive aqui no Brasil a gente tem muitas espécies ameaçadas e a maioria delas está na Mata Atlântica”, informa o professor do IB da Unicamp.
Entre as principais ameaças da espécie estão a mineração, a agricultura, a pecuária, o plantio de árvores para extração de madeira e o avanço de áreas urbanas
Bárbara Vitorino/iNaturalist
Em relação à proteção da espécie, os pesquisadores acham crucial a preservação das matas ciliares, por já saberem que esta espécie é altamente dependente dessa cobertura vegetal sobre os riachos.
“Por ser uma espécie que habita riachos, você tem que proteger o riacho inteiro, não só a qualidade da água que está ali, então não podem ter plantações que usam produtos químicos defensivos agrícolas em volta, que vai descarregar isso no riacho e pode prejudicar a espécie. Também proteger a floresta, a mata ciliar, porque se você tirar as árvores da margem do rio esse espécie também desaparece”, elucida Luís Felipe.
Os pesquisadores já iniciaram as buscas em uma nova possível área indicada pelo nosso estudo para o encontro de novas populações. De acordo com João Pedro Bovolon Thomaz, a ideia é instalar gravadores autônomos em alguns riachos localizados dentro das áreas com alta adequabilidade ambiental para a espécie, a fim de investigar sua presença por meio da detecção acústica de vocalizações.
“Reforçamos em nosso trabalho a importância de ações que promovam a conectividade entre os fragmentos de mata, como uma medida essencial para a conservação de espécies da Mata Atlântica”, finaliza João.
Curiosidades sobre a espécie
Um aspecto curioso é que, enquanto a maioria das espécies do gênero Hylodes apresenta distribuição mais próxima a costa, o Hylodes sazimai ocorre um pouco mais para o interior do país.
Assim como diversas outras espécies do gênero, H. sazimai utiliza riachos como áreas reprodutivas e são mais ativos durante o dia (diferente do que o senso comum nos leva a crer em relação ao comportamento dos anuros). Durante a noite, os indivíduos buscam abrigo e alimento no chão da mata ao redor dos riachos.
O epíteto específico “sazimai” do nome científico da espécie faz referência ao pesquisador Ivan Sazima que, além de muitas outras contribuições, desempenhou um papel fundamental no avanço dos conhecimentos sobre história natural e comportamento de répteis e anfíbios durante sua carreira acadêmica. Por essa razão, foi homenageado pelos seus colegas herpetólogos que descreverem a espécie em 1995.
*Texto sob supervisão de Fernanda Machado
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