O futuro dos milhares de soldados russos que hoje combatem na Ucrânia já provoca preocupações dentro e fora da Rússia. Com o possível fim do conflito, o retorno desse contingente militar — que pode chegar a um milhão de homens — levanta o alerta para dois cenários opostos, mas igualmente explosivos: o fortalecimento de uma nova elite política formada por veteranos e o aumento da criminalidade e da instabilidade social. A projeção foi feita por analistas ouvidos pelo site Important Stories.
Em 2024, o presidente Vladimir Putin afirmou que 700 mil russos estavam engajados na guerra da Ucrânia. Mesmo que o número seja inflado, ele já supera o total de soldados soviéticos que serviram no Afeganistão entre 1979 e 1989. No atual conflito, as perdas humanas são muito maiores: mais de cem mil mortos confirmados, contra 15 mil no caso afegão.
Historicamente, a volta de veteranos de guerras mal resolvidas costuma deixar marcas profundas nas sociedades, como mostram os exemplos da União Soviética pós-Afeganistão e da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial.

Na Alemanha, a desmobilização de soldados ao final da Primeira Guerra resultou na criação de grupos paramilitares como o Freikorps, que reunia jovens treinados apenas para o combate, sem perspectivas de emprego ou inserção social. Esses homens, rejeitados pela sociedade civil, acabaram se tornando uma força de desestabilização, envolvida em assassinatos políticos e em tentativas de golpe contra o governo da República de Weimar. Muitos deles, anos depois, integrariam as milícias nazistas SA e SS.
A Rússia de hoje, segundo analistas, pode repetir essa história. Já existe um esforço do governo Putin para cooptar os veteranos da “operação militar especial”, como o Kremlin define a invasão da Ucrânia. Em 2024, Moscou lançou o programa “Tempo de Heróis”, que busca preparar ex-combatentes para cargos públicos.
Entre os nomes de destaque está Artyom Zhoga, ex-comandante do Batalhão Sparta e atual enviado presidencial para a região dos Urais. “Sabe, às vezes me perguntam como os veteranos podem evitar a ‘síndrome afegã’”, disse ele em entrevista à agência estatal Tass. “Eu digo que não é uma síndrome; o Estado é que não cuidou deles naquela época. Tenho certeza de que hoje não voltaremos a isso, porque isso não existe. O importante é dar propósito aos nossos rapazes.”
Apesar da promessa de integração, a estrutura estatal russa dificilmente terá vagas suficientes para empregar todos os que retornarem do conflito. Uma das alternativas discutidas seria conceder uma série de privilégios e benefícios aos veteranos; medidas que, segundo críticos, podem aprofundar a divisão entre militares e civis.
Na prática, especialistas temem que essa massa de homens armados e desiludidos, caso não encontre espaço na vida civil, acabe sendo instrumentalizada politicamente ou migre para atividades criminosas, como ocorreu com grupos de veteranos soviéticos nos anos 1990.
A preocupação do governo russo em evitar a formação de líderes dissidentes entre os ex-combatentes também já é perceptível. Nomes conhecidos entre os nacionalistas, como Igor Strelkov, estão presos, enquanto outros morreram em circunstâncias suspeitas, longe dos campos de batalha. A repressão preventiva, porém, não garante que lideranças alternativas não possam surgir, como aconteceu na Alemanha dos anos 1920 com figuras como Adolf Hitler e Ernst Thälmann. A história, ao que tudo indica, é uma lição que o Kremlin observa de perto.
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