Digno de Oscar: cobras nativas da América do Norte encenam a própria morte como estratégia de sobrevivência


As cobras-nariz-de-porco, ou ‘hognose’, encantam e surpreendem com seu comportamento de tanatose para enganar os predadores. Cobras nativas dos EUA se fingem de mortas como tática de defesa
Podemos ver nesse vídeo uma cena digna de uma peça teatral: uma pequena cobra vira de barriga para cima, escancara a boca e permanece imóvel, como se tivesse morrido repentinamente. Mas tudo não passa de atuação. A protagonista é uma serpente do gênero Heterodon, chamadas popularmente de ‘hognose’, ou na tradução literal cobra-nariz-de-porco, que utiliza a tanatose — o ato de se fingir de morta — como forma de defesa.
Diferente de outras espécies que apenas permanecem imóveis quando ameaçadas, as cobras desse gênero levam a encenação a um novo nível. Elas se contorcem, viram o corpo de barriga para cima, escancaram a boca e projetam a língua para fora.
Essa performance elaborada é uma marca registrada do grupo e está profundamente enraizada em seu comportamento instintivo. Enquanto a maioria de outras serpentes precisam ser manipuladas para simular a morte, as ‘hognose’ iniciam o teatro ao menor sinal de ameaça, tornando-se verdadeiras mestres da encenação.
“Todas as serpentes de gênero Heterodon executam esse comportamento. Já que alguns predadores são atraídos pelo animal em movimento, se mexendo, então eles não comem, preferem não comer animais mortos. Então essa serpente ela faz realmente uma encenação”, explica Willianilson Pessoa, herpetólogo e especialista em cobras.
As ‘hognose’ também podem liberar uma descarga cloacal – uma substância pastosa com odor forte, semelhante a fezes em decomposição. Essa secreção, somada à imobilidade e à posição de barriga para cima, ajuda a reforçar a ilusão de que o animal está morto e impróprio para o consumo.
Heterodon nasicus
midwestherper/iNaturalist
“Para um predador, além do cheiro forte que pode configurar ou indicar que o bicho tá podre, em decomposição, ela ainda tá virada com o ventre para cima, então os animais podem associar isso e deixar ela lá. O gosto também não deve ser agradável e o bicho pode até terminar cuspindo”, informa Willianilson.
As cenas são tão convincentes que fizeram as Heterodon ganharem fama na internet, principalmente nos Estados Unidos, onde são frequentemente criadas em cativeiro. A espécie mais conhecida, a Heterodon nasicus, é amplamente mantida como animal de estimação por entusiastas de serpentes, o que facilitou a popularização de vídeos mostrando suas “performances dramáticas”.
Mas o comportamento não é exclusivo desse gênero norte-americano. No Brasil, algumas serpentes também recorrem à tanatose, ainda que de forma menos cinematográfica. Espécies como a Philodryas nattereri e algumas do gênero Liophis ou Erythrolamprus adotam a estratégia, ficando completamente moles e imóveis quando manipuladas.
A ampla ocorrência desse comportamento em grupos tão diferentes, segundo Willianilson, é um sinal de sua eficiência evolutiva. “Vários animais estão aí até hoje, dentro de milhões de anos, executando esse comportamento”.
“Um dos principais indícios que mostram que um comportamento é eficaz é ele ser comum em diversos grupos de animais ou diversas espécies. Você pega a tanatose: ela tem em insetos, besouros, mariposas, aves, anuros, lagartos, serpentes, mamíferos…”, complementa o especialista.
Philodryas nattereri, espécie brasileira que também realiza tanatose
André Adeodato/iNaturalist
Cobras ‘hognose’
Essas serpentes são endêmicas da América do Norte e vivem em áreas de brejo, pântanos e florestas rurais dos Estados Unidos, tendo como exemplos de espécies asa cobras Heterodon nasicus, Heterodon platirhinos e Heterodon simus.
Com o focinho curto e arrebitado — uma escama modificada conhecida como escama rostral — elas lembram um porquinho, o que lhes garantiu o nome peculiar. São batracófagas, ou seja, alimentam-se principalmente de anuros, como sapos, rãs e pererecas, e possuem uma leve toxina inofensiva aos humanos, injetada por presas localizadas no fundo da boca.
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