
Arumatia dubia e Arumatia fulgens haviam sido descritas em um gênero australiano, que foi introduzido no Brasil. Entenda história das espécies e como foi possível atualizar a taxonomia delas. Bicho-pau Arumatia dubia encontrado em Barretos (SP)
Projeto Phasma
Em 1998, o professor brasileiro Evôneo Berti Filho encontrou um grupo de bichos-pau se alimentando de eucaliptos em Boa Esperança do Sul (SP) e Piracicaba (SP). Para tentar identificar as espécies, contatou o pesquisador australiano Oliver Zompro.
Após analisar os animais, Oliver concluiu que as espécies eram nativas da Austrália e tinham sido introduzidas no Brasil, sob justificativas como a semelhança dos insetos com espécies australianas e por estarem se alimentando de eucaliptos, árvores originárias da Oceania.
Como não era igual a nenhuma espécie brasileira ou australiana até então conhecida, Oliver descreveu duas espécies presentes no local e as incluiu no gênero australiano Echetlus, sendo ambas supostamente australianas que o pesquisador pensava que tinham sido introduzidas no Brasil.
“Quando a gente começou a trabalhar com esses bichos-pau, coletamos eles em áreas diferentes, inclusive comendo plantas nativas, o que achamos muito estranho porque, na teoria, era pra eles serem exóticos”, relata Victor Ghirotto, mestre pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP).
Após coletar e analisar indivíduos das espécies, ler outros trabalhos e observar coleções em museus, as suspeitas sobre erros na classificação taxonômica das duas espécies descritas por Oliver Zompro – Echetlus evoneobertii e Echetlus fulgens – foram ficando cada vez maiores.
“Olhamos também para os detalhes desse bicho, a morfologia específica das pernas, detalhes da pontinha do abdômen, o ovo. Percebemos que esse bicho realmente é brasileiro, é um bicho da região neotropical, só que ninguém tinha reconhecido”, afirma Victor.
Assim, constatado o erro e a presença de outras descrições para as mesmas espécies em outros trabalhos, a equipe de pesquisadores atualizou os dois nomes para Arumatia dubia e Arumatia fulgens. Além disso, outras cinco espécies do gênero foram descritas no artigo publicado no Jornal Europeu de Taxonomia, em 2022.
Exemplares de Arumatia dubia já tinham sido descritos há mais de 100 anos para o Paraguai e outro sem localidade atribuída e, por isso, o nome mudou para essa combinação do gênero novo com o nome mais antigo. Antes do trabalho de 2022, a espécie era conhecida pelo nome Candovia evoneobertii.
“Esses bichos têm parentes aqui da América, só que ninguém ainda tinha feito essa ponte. Por isso é importante pesquisar muito e ter cientistas locais, ainda mais hoje que a biodiversidade está indo embora, e ainda tem esse atraso na pesquisa. Então, isso é um exemplo de que precisamos, mais do que nunca, ter uma ciência melhorada”, ressalta o biólogo.
Convergência evolutiva
Sobre a semelhança entre as espécies de bicho-pau australianas com as brasileiras, Victor diz que algumas hipóteses falam sobre convergência evolutiva ou paralelismo.
“Existem cactos e existem outras plantas que não são cactos, mas ao olhá-las você diz que são cactos porque elas têm a forma deles. Em um ambiente muito seco, elas precisavam armazenar água, serem resistentes ao sol, então fizeram a mesma coisa que os cactos (engrossaram o caule, modificaram as folhas para espinhos)”.
“Os bichos são a mesma coisa. Como eles se camuflam em ambientes parecidos, eles evoluíram para assumir formas muito parecidas”, completa.
Estudo e coleta de bichos-pau
Segundo o pesquisador, o grupo de insetos ainda é pouco estudado no Brasil, por terem difícil coleta e baixo interesse econômico, se comparado ao grupo dos insetos polinizadores, por exemplo.
“Uma coisa que a gente gosta de falar é que eles são tão bem camuflados, que se camuflam até da ciência e dos pesquisadores. São difíceis de encontrar na natureza, quando você não sabe procurar por eles. Eles não caem em armadilhas, e são difíceis de estudar porque não tem muita gente na área, então forma um ciclo vicioso”, comenta Victor
Para fazer a coleta dos insetos que serão estudados, os pesquisadores exploram áreas de mata durante à noite, revirando coisas no solo e olhando tudo – do chão até a copa das árvores.
Diferenças entre a posição dos bichos-pau de dia e de noite
Projeto Phasma
A escolha pelo período noturno não é a toa, já que o bicho-pau se posiciona na vegetação de modo a se camuflar só durante o dia, ficando mais “à vontade” à noite para realizar funções vitais.
Victor Morais Ghirotto é fundador e membro do projeto de pesquisa e divulgação científica chamado Projeto Phasma, iniciativa voltada aos bichos-pau (Phasmatodea) brasileiros.
VÍDEOS: Destaques Terra da Gente
Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente