
Em Campinas (SP), número de matrículas de alunos com TEA na rede municipal cresceu 1.204% em dez anos. Maior conhecimento e compreensão sobre o comportamento humano tem ampliado diagnósticos, explica médica especialista no tema. #paratodosverem: Ao lado da professora Daniela Berbel, Murilo toca no tablet, na figura que representa o seu nome
Ricardo Custódio/EPTV
Crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) representam a maior parcela dos estudantes público da educação especial. Número que disparou em um intervalo de 10 anos. Em Campinas (SP), a rede municipal registrou, entre 2014 e 2024, alta de 1.204% nos alunos autistas na educação infantil e no ensino fundamental 1. Mas o que explica esse aumento?
Mãe de uma menina autista de 6 anos, a médica Bruna Ituassu, pós-graduada em neurologia pediátrica e especialista em autismo, enfatiza que atualmente a ciência estuda e compreende muito mais sobre o comportamennto humano, e os critérios de diagnósticos se tornaram mais amplos.
☂️ Nesse sentido, o conceito de “espectro” funciona como um “guarda-chuva” que abrange diversas representações do autismo, reduzindo o subdiagnóstico que ocorria anteriormente.
Ou seja, comportamentos que antes eram atribuídos a traços de personalidade, como quando uma criança era taxada como “tímida”, “estranha” ou com “um jeito dela”, e passavam despercebidos, agora são reconhecidos e podem ser nomeados como manifestações do espectro autista.
Diretor pedagógico da Secretaria de Educação de Campinas, Luciano Reis observa que grande parte do aumento de alunos autistas ocorreu nos últimos anos, em especial pela facilidade do diagnóstico que não havia antes.
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Em nota, o Ministério da Educação (MEC) explica que no período entre 2014 e 2024 a proporção de estudantes com deficiência intelectual caiu de 69% para 48,5%, enquanto as matrículas de estudantes com TEA subiram de 9,3% para 44,2%.
“O crescimento está relacionado ao maior reconhecimento social sobre autismo, ampliação dos diagnósticos, atenção precoce e fortalecimento das políticas educacionais voltadas a esse público”, defende.
Entenda, abaixo, explicações sobre o autismo e como isso impacta a rede de ensino. O conteúdo integra a série “Ser Acessível”, coprodução do g1 e EPTV que aborda questões relacionadas a inclusão e acessibilidade na educação básica.
Nesta reportagem você vai ler ⬇️
O que ‘causa’ o autismo?
Qual a taxa de crescimento?
Qual o impacto na educação?
Preocupação com autonomia
O que tem sido feito?
O que ‘causa’ o autismo?
Bruna Itaussu destaca que não há base científica na ideia de que o autismo se desenvolva após o nascimento: a pessoa nasce ou não dentro do espectro.
🧬A médica explica que o autismo é um transtorno com uma forte base genética, estimada em mais de 96% dos casos. Mas existem alguns fatores, dentro do período gestacional, que podem influenciar.
“A gente fala muito sobre epigenética, aquilo que está sobre a genética. Se você tem gene do seu pai e da sua mãe, e eles forem autistas, aumenta a chance de você ser autista”, destaca Bruna.
Bruna pontua que existem outros fatores que aumentam a chance da criança ser autista, como ser gêmeo e nascer prematuro, por exemplo. Fatores como alimentação da mãe na gestação e a idade paterna também podem influenciar a expressão de genes durante a gestação.
⚠️ E a influência genética não é apenas das mães! Segundo Bruna, homens acima dos 35 anos tem uma incidência maior de filhos autistas.
#paratodosverem: Num salão, de frente para nós, há várias pessoas na plateia. Algumas aplaudem batendo palmas e outras em libras (as mãos na altura da cabeça viram pra um lado e outro). Nas poltronas da frente um homem, com fone de ouvido, e uma mulher, a médica Bruna Ituassu, estão com os filhos, Francisco e Havana, no colo
Jacson Marçal
Qual a taxa de crescimento?
De acordo com a especialista, a ciência tem avançado e entendido cada vez mais fatores atrelados ao espectro autista, o que tem ampliado o número de diagnósticos.
📈 Para exemplificar, Bruna Ituassu cita os dados mais recentes do relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doença dos Estados Unidos (CDC), que aponta aumento da prevalência de autismo naquele país, que atualmente é de 1 para 31 crianças – na edição anterior, era de 1 a cada 36.
Ser Acessível: Com alta de 1.204% de alunos autistas, matrículas na educação especial em Campinas dobram em dez anos
O professor Régis Henrique dos Reis Silva, da Faculdade de Educação da Unicamp, pontua que no cenário da educação, dados nacionais mostram que, em média, 7 de cada 10 estudantes público da educação especial tem autismo ou deficiência intelectual, com taxas de crescimento “acima do natural.”
“O número de autistas matriculados aumentou em torno de 19 vezes em dez anos. No caso de deficiência intelectual, aproximadamente o dobro. Já os outros públicos, o aumento foi em torno de 17%, o que seria, entre aspas, um número natural, um crescimento natural”, avalia Régis.
Qual o impacto na educação?
Na avaliação de Régis Silva, o crescimento acelerado desse público tem impactos diretos nas escolas, pois exige muito mais em termos pedagógicos e de formação.
“Exige muito mais com que aquilo que diz respeito à educação especial se torne orgânico aquilo que é o trabalho pedagógico da escola”, analisa.
A médica Bruna Ituassu afirma que diante da realidade atual ela considera uma “garantia” que cada sala de aula terá pelo menos um aluno dentro do espectro autista, e que a escola se preparar e os profissionais da educação se capacitarem deixou de ser uma opção mas, sim, uma obrigação.
Capacitação necessária para entender e atender às necessidades de cada aluno, de forma individualizada.
“Quando a gente fala sobre autismo, a gente não fala sobre igualdade. A gente fala sobre equidade, é oferecer para cada um o que é necessário para que ele se desenvolva. Ser igual não adianta, o igual para todo mundo não vai resolver”, defende Bruna.
#paratodosverem: Na escola, a professora Daniela Berbel de mãos dadas com garoto Down, Murilo
Ricardo Custódio/EPTV
Preocupação com autonomia
Delma Medeiros, de 46 anos, é mãe do Murilo, adolescente de 14 anos que estuda atualmente na 8ª série do ensino fundamental na Escola Estadual Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa, em Campinas (SP).
O Murilo é uma criança síndrome de down, que nasceu com má formação nos membros inferiores e teve o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), nível de suporte 3, fechado apenas aos 9 anos.
Segundo a mãe, ter o diagnóstico ampliou a possibilidade de tratamentos que o filho tem direito pelo convênio médico, mas algumas intervenções, em especial para a comunicação alternativa, poderiam ter começado antes.
Trabalho desenvolvido pela fonoaudióloga que o acompanha, o sistema de comunicação alternativa, que teve início com pranchas de comunicação, por exemplo, agora é feito por um tablet e um software comprados pela família, e no qual Murilo usa na escola, na companhia de sua professora de apoio.
Estabelecer a comunicação do Murilo é torná-lo mais independente e mais preparado para o mundo, destaca Delma.
“Como ele não conseguia se comunicar, ele se desorganizava, entrava em crise. A partir desse sistema de comunicação, mudou o comportamento, ele se faz entender não só em casa, mas lá fora. O que a gente quer, como mãe atípica, é quando se for, ele esteja preparado para o mundo. Há muito preconceito, falta de apoio, aceitação, e essa é minha preocupação. Quero que ele tenha autonomia”, diz Delma.
Delma morava em São José dos Campos (SP), e quando a família mudou para Campinas, Murilo estava no 6º ano do ensino fundamental. Ele só iníciou as aulas após a mãe conseguir, via Defensoria Pública, a professora de apoio que acompanha o Murilo – foram dois meses de espera.
“Ele precisa do apoio pedagógico, pois o cuidados só fica fora da sala de aula. E a professora de apoio ela se especializa, foi até a fono do Murilo, entedeu o sistema de comunicação, e acompanha toda sua rotina escolar. Ela que trabalha para ampliar o vocabulário do Murilo no tablet”, explica Delma.
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O que tem sido feito?
Em Campinas, o diretor pedagógico Luciano Reis aponta que o avanço do diagnóstico ampliou a demanda, e a presença do laudo é preciso garantir o direito que a criança ou adolescente tem.
Segundo Reis, há uma avaliação para determinar a necessidade de ações dentros das escolas para o atendimento dos alunos, seja com TEA ou não, de cuidadores a profissionais voltados aos processos inclusivos e pedagógicos.
“O foco é para a educação inclusiva e é para todos, para todas as crianças indistintamente”, diz.
👩🏫👨🏫 E qual o número de profissionais? O representante da Secretaria de Educação afirma que o número de professores de educação especial saltou de 70 para 234 na rede municipal nos últimos anos, e que o secretário já autorizou a convocação de mais 20 cargos de profissionais para a rede.
Reis garante que é realizado um trabalho constante na formação e entendimento das necessidades do público da educação especial, entre eles o aluno com autismo.
“Nós temos aprendido muito com essas crianças, temos aprendido como devemos nos reportar. Tem questões delicadas, de coisas simples que podem desregular uma criança, uma crise, então a formação vem ao encontro desse momento, e conseguimos oferecer aos nossos profissionais formação continuada”, completa.
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